A saúde pública de Campo Grande atravessa uma das piores crises dos últimos anos. Durante audiência pública realizada nesta segunda-feira (13) na Câmara Municipal, vieram à tona números alarmantes sobre a falta de medicamentos na rede municipal de saúde: 63 tipos de remédios estão em falta nos postos da Capital, incluindo unidades básicas, UPAs e Centros de Atenção Psicossocial (Caps).
A situação, descrita como “entre péssima e calamitosa”, foi exposta por representantes da sociedade civil, órgãos de controle e autoridades ligadas à saúde. Para a vereadora Luiza Ribeiro (PT), que propôs a audiência, a crise já ultrapassa o limite do aceitável. “De 23 medicamentos que deveriam estar disponíveis nos Caps, 11 estão em falta. Já nas UPAs, a lista de medicamentos ausentes chega a 52. É uma situação dramática, que coloca vidas em risco diariamente”, declarou.
A Prefeitura de Campo Grande foi alvo de duras críticas durante o encontro. A gestão da Secretaria Municipal de Saúde (Sesau) foi apontada como um dos principais gargalos para a solução do problema. De acordo com o presidente do Conselho Municipal de Saúde, Jader Vasconcelos, o problema da falta de medicamentos é crônico e vem se arrastando há pelo menos dois anos, sem qualquer perspectiva real de resolução. “É um dos problemas mais graves dentro da Sesau. O cenário oscila entre péssimo e calamitosa, e quem sofre é a população”, afirmou.
Recursos existem, mas gestão falha
Outro ponto crítico revelado durante a audiência diz respeito ao uso dos recursos públicos. A técnica da Superintendência do Ministério da Saúde em Campo Grande, Silvia Uehara, revelou que, dos R$ 13 milhões inicialmente previstos na Lei Orçamentária Anual para assistência farmacêutica, apenas R$ 3,5 milhões foram empenhados. Deste valor, menos de R$ 300 mil foram efetivamente pagos até o momento.
“O orçamento foi reduzido para R$ 9,5 milhões e, mesmo assim, a execução está muito aquém do necessário. É muito pouco. A Prefeitura não está aplicando nem o mínimo do que poderia para garantir o fornecimento de medicamentos básicos”, criticou Silvia.
Para piorar, Campo Grande ainda dispõe de quase R$ 1,6 bilhão disponíveis para aplicação na área da saúde, conforme apontado pelo superintendente do Ministério da Saúde em Mato Grosso do Sul, Ronaldo Costa. “O que falta é gestão. Os recursos existem, mas não estão sendo usados como deveriam”, pontuou.
Farmácia Popular também em colapso
A crise também atinge o Programa Farmácia Popular. Representantes da Associação das Mães Atípicas relataram as dificuldades enfrentadas por famílias com filhos com deficiência para obter medicamentos e fraldas. Lilidaiane Ricalde denunciou que a promessa de regularização feita durante o período eleitoral não foi cumprida.
“O programa previa 120 fraldas por mês, mas a maioria das mães não consegue nem 20. E as que conseguem recebem produtos de baixa qualidade. Desde o início do ano estamos brigando para conseguir, aos poucos, o mínimo necessário”, desabafou.
Licitações atrasadas e explicações insuficientes
O responsável pelo Sistema de Compras e Contratos da Prefeitura, André Brandão, admitiu falhas e atrasos nos processos licitatórios. Ele afirmou que o comitê responsável começou a tomar providências apenas recentemente, apesar da gravidade da situação já ser conhecida desde o início do ano.
“O que se vê é uma gestão que não prioriza o básico. Faltam medicamentos para hipertensos, diabéticos, antidepressivos nos Caps, antibióticos nas UPAs. Isso é inadmissível. A Prefeitura de Campo Grande precisa assumir a responsabilidade e agir com urgência. A população está sendo penalizada por erros administrativos graves e por falta de vontade política”, concluiu a vereadora Luiza Ribeiro.
População cobra respostas
Enquanto a Prefeitura alega dificuldades logísticas e orçamentárias, a população segue enfrentando filas, atrasos e desassistência. A falta de medicamentos afeta diretamente o tratamento de doenças crônicas, agrava quadros clínicos e sobrecarrega o sistema de saúde.
Com mais de 1,5 milhão de cadastros ativos no Cartão SUS em Campo Grande – número superior à própria população da cidade, estimada em cerca de 900 mil habitantes – os dados revelam não só má gestão, mas também possíveis distorções que precisam ser urgentemente apuradas.
Diante de tantas evidências, cresce a pressão sobre a Prefeitura para que assuma a responsabilidade e trate a saúde pública como prioridade real, e não apenas como promessa de campanha.