O juiz Eduardo Lacerda Trevisan, da 2ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, inocentou o ex-secretário estadual de Obras, Edson Giroto, e outros sete acusados de fraude na licitação e de desvio de 10,789 milhões no contrato das obras de suporte à vida e cenografia do outrora conhecido como Aquário do Pantanal, atualmente denominado Bioparque.
Diferentemente do Ministério Público Estadual, que apontou existir “fartas provas documentais das fraudes”, o magistrado decidiu que, “após detida análise dos autos, verifica-se que a pretensão ministerial não merece acolhimento”. Isso porque ele considerou não haver provas de irregularidades na ausência de licitação, de dano efetivo ao erário nem de enriquecimento ilícito.
A sentença foi prolatada nesta segunda-feira, 29 de setembro. Foram fundamentais para a absolvição dos réus a complexidade da construção do Aquário do Pantanal e a perícia que concluiu que a contratação da Fluidra gerou economia de R$ 2,940 milhões em comparação com os custos que seriam praticados pela Egelte no projeto original.
De acordo com o MPE, a contratação da empresa Fluidra Brasil Indústria e Comércio para execução do sistema de suporte à vida, cenografia e iluminação do Aquário do Pantanal resultou de “um plano fraudulento cuidadosamente arquitetado por agentes públicos e privados, com o fim de direcionar o objeto e viabilizar o desvio de recursos públicos”.
A contratação da Fluidra pelo Governo do Estado, na gestão André Puccinelli (MDB), por preço muito superior ao previsto originalmente, saltou de R$ 8,649 milhões para R$ 25,087 milhões.
A denúncia do desvio cometido pela Fluidra Brasil foi ajuizada em 1º de novembro de 2016. O MPE acusa a empresa e demais réus de improbidade administrativa e pediu o pagamento de R$ 140,2 milhões, sendo o ressarcimento dos R$ 10,789 milhões, indenização por danos morais de R$ 107,8 milhões e multa civil de R$ 21,5 milhões.
Com as mudanças na Lei de Improbidade Administrativa sancionadas pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL), o juiz Eduardo Lacerda Trevisan descartou os crimes relacionados à violação dos princípios da administração pública. Com isso, restaram apenas os delitos de enriquecimento ilícito e dano ao erário.
O MPE acusou como principais responsáveis pelas ilegalidades o ex-secretário Edson Giroto e Luiz Mário Mendes Leite Penteado, então coordenador das Obras de Edificações, subordinado ao primeiro. O prejuízo ao erário teria se materializado tanto pela contratação direta sem licitação, que eliminou a concorrência, quanto pelo superfaturamento dos valores.

Projeto sem precedentes
O eixo central da sentença do Eduardo Lacerda Trevisan é relativo à “singularidade” do projeto do Aquário do Pantanal, reconhecido como o maior aquário de água doce do mundo, constituindo, por sua própria natureza, um empreendimento sem precedentes no cenário nacional. E, para o magistrado, ficou comprovado que a Fluidra Brasil teria “notória especialização” para execução da empreitada.
O Sistema de Suporte à Vida é considerado “elemento fundamental e de alta complexidade técnica” para o funcionamento adequado da estrutura aquática, uma vez que a falha ou a inadequação de qualquer dos componentes pode levar a um colapso em cascata de todo o ecossistema do aquário.
Realizada perícia sob o crivo do contraditório, a perícia esclareceu que o contrato n. 028/2011, firmado em 17 de março de 2011 entre a Egelte Engenharia e a Agesul (Agência Estadual de Gestão de Empreendimentos), teve como objeto a execução da obra de construção do prédio do Centro de Pesquisa e de Reabilitação da Ictiofauna Pantaneira – Aquário do Pantanal, cujo valor contratual foi estabelecido em R$ 84.749.754,23.
“É importante destacar que não constavam especificados os projetos de cenografia e iluminação no contrato original, conforme afirmou o perito, indicando que esses elementos não haviam sido considerados inicialmente”, afirma o juiz.
Além disso, a Egelte retirou diversos itens da planilha orçamentária inicial. Com a supressão de todos os equipamentos de suporte à vida devido à reestruturação da concepção do projeto, sendo estabelecido que para os novos itens seria realizado procedimento licitatório específico.
O edital de concorrência inicial para a execução do prédio do Aquário do Pantanal não apresentou descrição precisa da parte correspondente ao Sistema de Suporte à Vida. Tal lacuna também é evidenciada pela posterior contratação da empresa ROAU (Ruy Otahke Aquitetura e Urbanismo Ltda) para assistência técnica, que subsequentemente contratou a empresa Terramare.
A ROAU selecionou a empresa Fluidra Brasil como única fornecedora capaz de atender técnica e economicamente as necessidades do Aquário, possuindo em sua linha de produção todos os equipamentos para tratamento de água do SSV, com a particularidade de utilizar material plástico nas partes em contato direto com a água.
“Para a contratação da segunda empresa, a Fluidra, ora ré, constatou-se nos autos a existência de estudo técnico que demonstrou a importância de revisar o sistema inicial. Esta revisão visava a implementar um conceito mais abrangente de ‘Sistema de Suporte à Vida’, que passaria a englobar não apenas a filtragem, mas também a cenografia e a iluminação dos ambientes aquáticos”, explica o juiz.
“Desta forma, concluiu que se tratavam de projetos com escopos distintos. A necessidade de readequação decorreu desta nova concepção do Sistema de Suporte à Vida, sendo que o conceito ampliado agregou melhorias substanciais às condições de sobrevivência dos animais em ambiente controlado, proporcionando condições mais adequadas para sua manutenção fora do habitat natural”, relata.

Diante desses fatores, o juiz Eduardo Lacerda Trevisan definiu haver justificativa para o valor saltar de R$ 8,649 milhões para R$ 25,087 milhões.
De acordo com a sentença, a Egelte mesmo questionou o escopo do serviço, reconhecendo que deixou de ser uma obra comum de engenharia para ser um serviço especializado. O sistema implementado pela Fluidra era “totalmente diferente”.
“O conjunto probatório demonstra inequivocamente que o projeto inicial do Sistema de Suporte à Vida, elaborado pela empresa Terramare (subcontratada pela Alena Engenharia), era tecnicamente deficiente e inadequado para empreendimento da magnitude e complexidade do Aquário do Pantanal”, informa o juiz.
Um “dossiê informativo” apresentado no processo demonstrou que a Fluidra Brasil possui reconhecida especialização em aquários, sendo fabricante de equipamentos específicos para esse segmento. A empresa faz parte de um grupo multinacional espanhol com mais de 40 anos de experiência no setor.
“Cumpre ressaltar, ainda, que a alegação da DAEX de que a Fluidra Brasil não havia realizado projetos anteriores mostra-se insuficiente para afastar a comprovada expertise da empresa. Isso porque a filial brasileira integra o mesmo conglomerado multinacional da Fluidra Espanha, beneficiando se, portanto, de toda a experiência técnica e know-how acumulados pelo grupo ao longo de mais de quatro décadas de atuação no mercado internacional”, afirma o magistrado.
O juiz destaca que “a contratação de uma única empresa que fornecesse os equipamentos e executasse o serviço de forma integrada foi considerada uma medida prudente para garantir a compatibilidade e o funcionamento adequado de todo o sistema. A decisão, embora dispensasse o parcelamento ordinariamente exigível, mostrou-se tecnicamente justificada pelas peculiaridades do projeto”.
“ Importante frisar que não foi demonstrado nos autos qualquer dano ao erário decorrente da ausência de parcelamento. Ao contrário, como será demonstrado no item 2.2.2, a perícia concluiu que a contratação da Fluidra gerou economia de R$ 2.940.758,17 em comparação com os custos que seriam praticados pela Egelte no projeto original”, relata.
Por fim, o magistrado diz que o Ministério Público Estadual “não demonstrou que as alternativas apresentadas possuíam, à época, a mesma capacidade técnica e operacional comprovada da Fluidra para empreendimento daquela magnitude e complexidade”.
“Portanto, não se vislumbra a existência de fraude na opção pela inexigibilidade de licitação. As decisões foram fundamentadas em justificativas técnicas decorrentes da evolução e complexidade de projeto singular, inexistindo elementos probatórios de que os agentes públicos agiram com intenção de frustrar a licitude do procedimento ou beneficiar indevidamente a empresa contratada”, conclui.
Sem superfaturamento, dano erário ou enriquecimento ilícito
Como dito acima, a perícia concluiu que a contratação da Fluidra gerou economia de R$ 2.940.758,17 em comparação com os custos que seriam praticados pela Egelte no projeto original. Desta forma, o titular da 2ª Vara de Direitos Difusos decidiu que a alegação do Ministério Público, fundada na comparação entre o valor do projeto original da Terramare (R$ 8,6 milhões) e o contrato da Fluidra (R$ 29,8 milhões), “parte de premissa fática equivocada”.
“O laudo pericial é claro ao afirmar que os projetos são distintos e, portanto, os valores são incomparáveis. O projeto inicial da Terramare previa um simples sistema de filtragem, enquanto o contrato com a Fluidra englobou um completo Sistema de Suporte à Vida, incluindo automação, iluminação, cenografia, sistema de quarentena e chillers, itens não previstos ou subdimensionados no projeto original, conforme já exaustivamente demonstrado no item anterior”, diz o juiz.
“Mais do que isso, a perícia realizou um comparativo entre os itens que possuíam correspondência em ambas as propostas e, após a devida atualização monetária pelo INCC, concluiu que o custo inicial, se executado pela Egelte, seria superior ao custo executado pela Fluidra Brasil em R$ 2.940.758,17 (dois milhões, novecentos e quarenta mil, setecentos e cinquenta e oito reais e dezessete centavos). Ou seja, a contratação da Fluidra, ao contrário de causar prejuízo, gerou economia ao erário”, detalha.
“A alegação de superfaturamento na subcontratação da cenografia também não se sustenta, pois a Fluidra foi contratada para toda a implantação do serviço, e não apenas para a elaboração do projeto”, prossegue.
Conforme a sentença, um auditor da CGU afirmou que, mesmo considerando os aditivos excessivos e a inclusão de itens não licitados, a equipe não apontou prejuízo ao erário.
“Assim, resta demonstrado que não houve dano ao erário. Ao contrário, a prova técnica indica que a contratação da Fluidra foi economicamente mais vantajosa para a Administração Pública”, afirma Eduardo Lacerda Trevisan.
Consequentemente, a alegação de enriquecimento ilícito em relação a Edson Giroto e Luiz Mário Mendes Leite Penteado acabou perdendo força, e o juiz definiu que “não foi apresentado qualquer indício de recebimento de vantagem patrimonial indevida, repasse de valores ou benefício pessoal por parte dos requeridos”.
“A acusação de pagamento de propina fundamenta-se exclusivamente no depoimento da ex-funcionária da Fluidra, Michele Trierveiler Machado. Entretanto, em seu depoimento judicial, afirmou que nunca presenciou qualquer tipo de ajuste entre os diretores da empresa e servidores da AGESUL”, informa o magistrado.
“Trata-se de mera conjectura desprovida de substrato probatório. Inexistem nos autos elementos de convicção que evidenciem enriquecimento ilícito dos agentes públicos envolvidos, tampouco demonstração efetiva de superfaturamento nas contratações objeto da investigação. A alegada indevida dispensa licitatória não restou comprovada, permanecendo no plano das ilações”, avalia.
“Ademais, não foram juntados aos autos extratos bancários dos agentes públicos referentes ao período investigado, sequer foram especificados os valores supostamente auferidos de forma irregular, o que torna impossível a configuração objetiva do alegado prejuízo ao erário”, prossegue.
“A acusação de enriquecimento ilícito, portanto, baseia-se em mera conjectura, desprovida de qualquer suporte fático, o que não é suficiente para embasar uma condenação por improbidade administrativa”, arremata.
Na sentença, o juiz absolveu Edson Giroto, Fernando Amadeu de Silos Araújo, José Antônio Toledo Areias, Luiz Mário Mendes Penteado, Pere Ballart Hernandez, o espólio do arquiteto Ruy Ohtake (ele morreu durante o processo), a Ruy Ohtake Arquitetura e Urbanismo e a Fluídra Brasil Indústria e Comércio.
Com a absolvição dos réus, o juiz Eduardo Lacerda Trevisan revogou a decisão que decretou a indisponibilidade de bens dos denunciados.
O Ministério Público Estadual pode recorrer da sentença.

O JACARE