Zona Verde transforma estacionamento público em negócio milionário no DF
A implantação do Projeto Zona Verde, sistema de estacionamento rotativo pago em áreas públicas do Distrito Federal, transformou-se em um dos temas mais polêmicos da gestão do governador Ibaneis Rocha (MDB). O programa já implantado, que prometia modernizar e ordenar o uso dos estacionamentos nas áreas centrais de Brasília, vem sendo alvo de forte insatisfação popular e questionamentos sobre possíveis favorecimentos empresariais.
O sistema, administrado por meio de concessão pública à iniciativa privada, entrou em operação neste ano em regiões de grande fluxo, como os setores Bancário, Comercial e Hoteleiro, além dos arredores da Rodoviária do Plano Piloto. Mas o que o GDF apresenta como uma medida para “democratizar o espaço público” e “estimular o transporte coletivo” tem sido criticado por especialistas, usuários e parlamentares da oposição, que apontam falta de transparência e benefícios excessivos às concessionárias.
População Reage: “Cobrança Abusiva e Sem Retorno”
Desde o início da cobrança, os valores aplicados nos estacionamentos têm gerado indignação. Motoristas relatam tarifas que variam entre R$ 7 e R$ 12 por hora, com diárias que podem chegar a R$ 40 — o que, para muitos, transforma o ato de estacionar em um luxo incompatível com a realidade dos trabalhadores.
A bombeira civil Débora Evelyn, que estacionou atrás do Conjunto Nacional, disse ter se surpreendido ao pagar R$ 22 por pouco mais de uma hora. “É preço de aeroporto. Como o governo cobra isso sabendo que o transporte público é precário?”, questionou.
O técnico em enfermagem Anderson Martins, que trabalha no Setor Bancário Sul, calcula que gasta quase R$ 600 por mês apenas com estacionamento. “A promessa era de rotatividade, mas o resultado é só lucro privado em cima de área pública. O GDF entregou os estacionamentos e o cidadão ficou sem opção”, desabafou.
Críticas à Concessão: Lucro Privado e Fiscalização Delegada
O modelo de concessão adotado pela Secretaria de Transporte e Mobilidade (Semob) é apontado como o principal foco das críticas. A licitação, que abrange mais de 115 mil vagas públicas em regiões nobres do DF, teria garantido à empresa vencedora até 90% da receita líquida obtida com as tarifas, segundo dados apresentados por conselheiros comunitários.
Para o urbanista Sérgio Bueno, o problema está na desproporção entre o retorno financeiro da empresa e o investimento exigido:
“A concessionária praticamente não precisará investir em infraestrutura, pois o Plano Piloto é tombado. Mesmo assim, ficará com a maior parte do lucro. É um contrato feito para beneficiar o privado, não o interesse público.”
Outro ponto controverso é a fiscalização privada, que passou a ser de responsabilidade da própria concessionária. Entidades de servidores do trânsito, como o Sindetran-DF, afirmam que isso fere o princípio da supremacia do interesse público e pode abrir brechas para abusos e falta de controle.
Suspeitas de Favorecimento e Atuação do TCDF
O Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) analisa o processo de concessão após receber representações de conselhos comunitários e do Sindetran/DF, que apontam possível favorecimento de determinadas empresas durante o processo licitatório.
Fontes próximas ao tribunal informaram que uma das empresas participantes teria ligação indireta com grupos econômicos já beneficiados em contratos de mobilidade urbana no DF, levantando suspeitas sobre a imparcialidade da seleção.
O deputado Gabriel Magno (PT) também apresentou requerimento à Câmara Legislativa pedindo informações detalhadas sobre os contratos e os mecanismos de controle financeiro das empresas. Segundo ele, “é inaceitável que uma política de mobilidade seja usada como instrumento de arrecadação e favorecimento”.
Transporte Público em Segundo Plano
Apesar do discurso oficial de incentivo ao transporte coletivo, especialistas afirmam que o GDF não apresentou um plano concreto de reinvestimento da arrecadação em melhorias no sistema. O urbanista Wesley Ferro lembra que, originalmente, o projeto previa destinar parte dos recursos ao transporte público e aos modais ativos, mas a proposta foi alterada para permitir o uso do dinheiro no déficit previdenciário do Iprev.
“Isso desvirtua totalmente o objetivo social da cobrança. O estacionamento pago deixa de ser ferramenta de mobilidade e passa a ser um instrumento fiscal”, criticou Ferro.
Alternativas e Mobilização
Conselhos comunitários e entidades civis preparam um dossiê com sugestões de medidas alternativas ao Zona Verde, entre elas: ampliação do metrô, implantação do VLT nas vias W3 e L2, criação de bicicletários e integração entre ônibus e metrô.
A urbanista Hiatiane Cunha de Lacerda resume a percepção de grande parte da população:
“O GDF quer desestimular o uso do carro, mas não oferece alternativa viável. É como cobrar pedágio sem construir estrada.”
Enquanto o TCDF analisa o caso e novas ações civis públicas começam a ser articuladas, o Projeto Zona Verde segue operando, transformando o debate sobre estacionamento em um símbolo da disputa entre interesse público e lucro privado na capital federal.



















