A Parceria Público-Privada (PPP) de esgotamento sanitário em Mato Grosso do Sul, operada pela Ambiental MS Pantanal, controlada pela holding AEGEA, tornou-se um retrato do que movimentos sindicais e especialistas classificam como o esgotamento do modelo privatizado de saneamento no Brasil. Denúncias de investimentos não executados, degradação ambiental, falhas recorrentes na prestação do serviço e atos antissindicais colocam a concessionária no centro de uma crise que atinge trabalhadores, municípios e a população usuária.
De acordo com levantamento do Sindágua-MS, a empresa deixou de investir mais de R$ 750 milhões em obras de infraestrutura e em Operação e Manutenção entre maio de 2021 e dezembro de 2025, valores expressamente previstos no edital de concessão. A omissão ocorre justamente em um período marcado por sucessivos vazamentos de esgoto, contaminação ambiental e autuações por órgãos fiscalizadores, amplamente divulgadas em redes sociais e na imprensa regional.
A PPP, firmada entre a Sanesul e a AEGEA, previa que a concessionária assumisse a responsabilidade pelas obras e pela manutenção dos sistemas de esgotamento em 68 municípios sul-mato-grossenses. No entanto, segundo o sindicato, a realidade nos territórios é de sistemas colapsados, serviços precários e danos ambientais, enquanto os investimentos prometidos permanecem, em grande parte, no papel.
Lucro antecipado, investimentos ausentes
Um dos pontos mais controversos do contrato está na modelagem econômico-financeira utilizada na concorrência pública. Conforme material apresentado pela própria AEGEA, o retorno dos investimentos (payback) só ocorreria a partir do 14º ano de contrato, caso os aportes fossem efetivamente realizados.
Os números oficiais, porém, contam outra história. Após prejuízos de R$ 8,284 milhões em 2021 e R$ 5,661 milhões em 2022, a empresa passou a registrar lucros crescentes: R$ 618 mil em 2023 e R$ 5,469 milhões em 2024. Tudo isso sem a execução da maior parte dos investimentos estruturais previstos.
Enquanto a infraestrutura permanece deficiente, a remuneração da alta direção chama atenção. Apenas entre 2021 e 2024, os dois diretores da PPP receberam mais de R$ 12 milhões em salários e benefícios, valor que contrasta com a alegada necessidade de contenção de custos e com a precarização das condições de trabalho.
Para o Sindágua-MS, os dados reforçam a suspeita de que a modelagem financeira foi superestimada deliberadamente, criando um ambiente propício à extração rápida de lucros, em detrimento do interesse público.
Perseguição sindical e demissão de dirigente
Em paralelo ao colapso operacional, o sindicato denuncia perseguição política e antissindical. O caso mais grave envolve a demissão de Marcelo Dias da Silva, Técnico Eletromecânico III e 1º secretário do Sindágua-MS, ocorrida em 11 de dezembro de 2025.
Dirigente sindical com estabilidade legal, Marcelo havia formalizado denúncias de assédio e perseguição ao setor de compliance da AEGEA nos meses de setembro e novembro de 2025. Segundo o sindicato, nenhuma providência foi adotada pela empresa. Pouco depois, veio a demissão.
A MS Pantanal informou, por meio de seus procuradores, que efetuaria o pagamento dos direitos previstos em Acordo Coletivo e da indenização correspondente ao período de estabilidade. No entanto, o sindicato afirma que o pagamento integral não foi realizado, configurando descumprimento da legislação trabalhista.
Para o presidente do Sindágua-MS, Lázaro Godoy Neto, a demissão tem caráter exemplar e intimidatório.
“A tentativa é clara: silenciar quem denuncia. Mas não vão nos calar. Vamos exigir o cumprimento integral do artigo 496 da CLT, com indenização em dobro por todo o período de estabilidade”, afirma.
Privatização como negócio, não como política pública
O sindicato também questiona quem elaborou a modelagem econômico-financeira da PPP. Conforme dados públicos, os estudos foram realizados pela própria AEGEA, ao custo de R$ 4 milhões, posteriormente ressarcidos pelo poder público. Para os trabalhadores, isso evidencia um conflito de interesses estrutural, no qual a empresa ajudou a desenhar o contrato que viria a explorar.
“A privatização virou negócio puro. Transformaram um serviço público essencial em mercadoria altamente lucrativa”, resume Lázaro Godoy Neto. “Executivos e acionistas concentram ganhos, enquanto a população paga tarifas altas por um serviço precário e os trabalhadores sofrem perseguição.”
Um modelo em xeque
A experiência da PPP de esgotos em Mato Grosso do Sul reproduz um padrão já observado em outros estados: promessas de universalização não cumpridas, investimentos aquém do contratado, tarifas elevadas e descumprimento da legislação da tarifa social.
Para o Sindágua-MS, a crise atual demonstra que a universalização do saneamento exige planejamento público, controle social, investimento contínuo e valorização dos trabalhadores — e não a submissão de um direito humano fundamental à lógica do lucro financeiro.
Enquanto isso, a população segue convivendo com esgoto a céu aberto, riscos ambientais e um modelo que, ao invés de solucionar problemas históricos, aprofunda desigualdades e fragiliza o serviço público.






















