Venda de sentenças, rombo milionário e escândalos administrativos colocam Tribunal de Justiça sob pressão
O desembargador José Zuquim Nogueira assumiu a presidência do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) em 1º de janeiro de 2025 em um dos momentos mais delicados da história do Judiciário estadual. Eleito para o biênio 2025/2026, Zuquim herdou uma instituição profundamente abalada por sucessivos escândalos que vão desde a venda de sentenças até desvios milionários de recursos públicos, passando por benefícios administrativos considerados excessivos e pagamentos sem comprovação.
A crise teve origem na gestão de sua antecessora, a desembargadora Clarice Claudino da Silva, mas continuou produzindo efeitos ao longo de 2025, exigindo da nova administração respostas firmes, transparência e medidas disciplinares para tentar restaurar a confiança da sociedade no Poder Judiciário.
Trajetória e desafio histórico
Aos 71 anos, natural de Guaíra (SP), Zuquim enfrenta o maior desafio de seus 40 anos de magistratura. Formado em Direito pela Universidade de Uberaba, ingressou na Justiça mato-grossense em 1985 e ganhou projeção nacional ao atuar por 17 anos na Vara Especializada do Meio Ambiente, onde implantou, em 1996, o primeiro juizado ambiental do Brasil, iniciativa reconhecida pelo Prêmio Innovare.
Antes de chegar ao cargo máximo do TJMT, passou por diversas comarcas do estado e exerceu funções estratégicas, como corregedor-geral da Justiça (2021/2022) e presidente do Comitê de Saúde do Tribunal.
Operação Sisamnes e a venda de sentenças
O principal escândalo que abalou a imagem do TJMT é investigado pela Operação Sisamnes, deflagrada pela Polícia Federal em novembro de 2024. A apuração aponta a existência de um esquema de corrupção, organização criminosa e violação de sigilo funcional, envolvendo a venda de decisões judiciais.
As investigações começaram após o assassinato do advogado Roberto Zampieri, em dezembro de 2023, em Cuiabá. A análise do celular da vítima revelou mensagens, planilhas e documentos que indicariam sua atuação como intermediador de decisões judiciais junto a magistrados e servidores.
Os desembargadores Sebastião de Moraes Filho e João Ferreira Filho tornaram-se os principais alvos. Ambos são suspeitos de vender decisões e repassar informações sigilosas, inclusive sobre operações policiais. João Ferreira responde a Processo Administrativo Disciplinar no CNJ e permanece afastado. Sebastião de Moraes foi aposentado compulsoriamente ao atingir a idade limite.
A operação avançou em várias fases, incluindo bloqueio de bens, sequestro de imóveis de alto padrão e apreensão de passaportes. Em abril de 2025, o STF autorizou o afastamento do juiz Ivan Lúcio Amarante, ampliando o alcance da investigação.
Desvio de R$ 21 milhões da conta única
Em julho de 2025, um novo escândalo veio à tona com a deflagração da Operação Sepulcro Caiado, que apura o desvio de mais de R$ 21 milhões da conta única do TJMT.
Segundo as investigações, um grupo formado por empresários, advogados e servidores simulava depósitos judiciais com comprovantes falsos. Um servidor fazia a migração dos valores da conta do Tribunal para processos específicos, viabilizando o saque fraudulento por meio de alvarás.
Relatórios do Coaf apontam movimentações superiores a R$ 30 milhões entre 2019 e 2023. O TJMT afastou preventivamente três servidores, exonerou uma chefe de divisão e criou uma Comissão Especial de Auditoria para revisar pagamentos de alvarás desde 2011.
O polêmico “vale-peru”
Outro episódio que gerou repercussão nacional foi o pagamento do chamado “vale-ceia” ou “vale-peru”, no valor de R$ 10 mil, concedido em dezembro de 2024 a magistrados e servidores, com impacto financeiro estimado em R$ 50 milhões.
O Conselho Nacional de Justiça suspendeu o benefício, considerando que o valor desconfigurava a finalidade do auxílio. Por determinação do CNJ, os valores passaram a ser devolvidos, com pagamento à vista para magistrados e parcelamento em folha para servidores.
Horas extras sob suspeita
Auditorias também revelaram o pagamento de R$ 73,5 milhões em horas extras e compensações sem comprovação entre 2023 e 2024. Apenas em 2023, os pagamentos superaram R$ 50 milhões, com créditos acumulados desde 2007.
O CNJ identificou grave descontrole administrativo e determinou a abertura de processos para apuração das responsabilidades. O caso segue pendente de decisão final.
Corregedoria e afastamentos
Em meio à crise, a Corregedoria do Judiciário, comandada pelo desembargador José Luiz Lindote, adotou postura mais rigorosa em 2025, afastando cinco magistrados suspeitos de irregularidades. Segundo o órgão, todas as medidas seguem o devido processo legal.
Um 2026 de tensão institucional
Além dos escândalos, Zuquim terá de lidar, no início de 2026, com a ameaça de greve dos servidores do Judiciário, insatisfeitos com o veto do governador Mauro Mendes ao reajuste salarial da categoria. Nos bastidores, circulam informações sobre um suposto acordo entre os Poderes, o que aumentou a tensão interna.
O cenário aponta para um ano de forte instabilidade, exigindo do presidente do TJMT habilidade política, diálogo e firmeza administrativa.
Reconstrução em jogo
A missão de José Zuquim Nogueira é clara, mas complexa: reconstruir a credibilidade do Judiciário mato-grossense, garantir transparência, colaborar com as investigações e assegurar que eventuais responsáveis sejam punidos. O sucesso ou fracasso dessa tarefa terá impacto direto não apenas na imagem do Tribunal, mas na confiança da sociedade nas instituições de Justiça de Mato Grosso.






















